O que interessa agora é fazer planos a curto e médio prazos. Porque a longo, já disse o outro, estaremos todos mortos. Que o prazo então demore tanto a se esgotar que cause um arrependimento por não tê-lo planejado.
O que interessa agora é valorizar que toda janela tem vista para uma árvore. E onde tem árvore, tem pássaro. Eles passam a tarde inteira cantando por gozar da capacidade de defecar enquanto voam (ou vice-versa). Isso deve ser muito libertador.
O que interessa agora é cultivar o jardim. Tanto no sentido figurado quanto no literal, nem que seja molhando e consultando a planta que mora dos cantos da sala. Tem pergunta para o qual o silêncio dela é a melhor resposta.
O que interessa agora é remexer discos e livros e objetos que a gente guarda sem porquê. Até pegar um deles e se lembrar de alguém, de alguma história, e descobrir que apenas o próprio fato de manter aquilo perto por tantos anos pode ser a justificativa.
O que interessa agora é consertar o que tem como ser consertado. Um controle remoto, uma fechadura, uma tomada: cada pequena avaria reparada reforça a sensação de que problemas que o dinheiro resolve não são problemas. Dinheiro se acaba ganhando.
O que interessa agora é andar mais a pé. Bater perna sem querer chegar e observar alguma coisa nova no percurso, ainda que a falta de rumo leve para o caminho de sempre. Como o rio, a rua nunca é a mesma duas vezes.
O que interessa agora é movimentar o corpo. Correr, pedalar, puxar ferro, praticar algum esporte, qualquer atividade física cansativa o bastante para diluir no suor qualquer pensamento que não seja dobrar uma meta indefinida assim que a atingir.
O que interessa agora é sonhar. Com o cuidado de anotar os sonhos tão logo acordar, pois a memória onírica se esvai logo após as piscadas de olhos ao despertar. Se esquecer (de anotar), é porque não valia a pena se alugar com isso.
O que interessa agora é escrever todos os dias. Sobre, no suporte e com o tamanho que for. Para registrar, para organizar, para exorcizar. A prática alimenta a inspiração; a inspiração desconfia da certeza de que tudo já foi escrito.
O que interessa agora é socializar. Sair deste isolamento que já estava rolando antes da pandemia e ver e ouvir os afetos sem a mediação de nenhum acessório eletrônico. Nenhuma conexão supera a nossa quando estamos juntos.
O que interessa agora é reconhecer as imperfeições. Os defeitos, as falhas, os erros são muito mais verdadeiros do que as qualidades. Afinal, ninguém finge ser pior do que realmente é. Exceto, talvez, os narcisistas.
O que interessa agora é fazer samba e amor de madrugada. E espantar o sono de manhã com mais amor. De preferência, em má companhia. O samba fica para depois do almoço. O importante é não perder o ritmo.
O que interessa agora é algo que não sei o que é, onde está e nem se vou encontrar. Mas estou adorando essa perseguição.
O diabo mora nos detalhes
Operário da escrita – O setor de vagas arrombadas, propostas ofensivas e desprezo à experiência não poupa ninguém. Se um nome afamado como Lira Neto precisa lembrar que escritor também come, imagine aqueles que não são autores de best sellers.
Caixinha de surpresas – Para aproveitar o espaço extra nas antigas embalagens de CD, em 1991 o R.E.M. ocupou a contracapa do disco Out of Time com a divulgação do Rock The Vote, movimento para incentivar o voto nos Estados Unidos. E não é que funcionou?
APARELHO | Uma máquina de pogo muito louca de verão amazônico
Depois de um longo e tenebroso sumiço proporcionado por privilégios de classe, desterro digital & demais insignificâncias, a bancada mais cobiçada da lacrosfera áureo-esmeraldina reapareceu cheia de picardia para esfregar duas ou três pós-verdades nas fuças dos incréus. O que era para ser um efusivo reencontro de camaradas descambou para o maior ataque já visto à realidade consensual desde o advento da chinelagem como lifestyle de um terço dos brasileiros. Da profecia autorrealizável de Top Gun à esgrima do amor do sabre de luz, da falência dos festivais de rock à consciência de classe da inteligência artificial, teve de tudo – e nada explicado direito, como convém a esses tempos líquidos.
PLAYLIST | feito as canções que a gente faz
A assinante pediu e eu achei que poderia empurrar com a barriga, mas a comodidade se impôs: as playlists voltam a ser publicadas também no streaming negacionista e em seus concorrentes com reputação igualmente duvidosa. Tenho que admitir que o prejuízo que posso causar a esses aplicativos é muitíssimo menor do que a satisfação de apresentar uma música legal a alguém. Neil Young me entende e me perdoa.
que lindo, Tomate