#43 | Vai se criando um clima terrível
De intolerância em intolerância, vai se criando um clima terrível. A vítima mais recente é uma moça que disse não apreciar “shows que falam sobre política”, citando Rogers Waters como exemplo. Foi o que bastou para ser ridicularizada inclusive por gente que até outro dia acreditava que Pink Floyd era uma pessoa. Ela ainda tentou consertar, explicando que não estava se referindo às letras, e sim a artistas que resolvem “fazer do show um momento de propaganda política”. Mas aí o estrago em seu superego já estava feito.
Pois eu me solidarizo com a autora da postagem equivocada. Não entendo o porquê de tanta raiva contra tudo, menos contra a máquina. Que atire o primeiro adesivo da Lava Jato quem nunca, por alguma graça misteriosa, achou que um ídolo se comportaria de outra maneira e ficou desapontado quando ele agiu exatamente da forma que sua obra, seu histórico e suas declarações indicavam que fosse agir. Eu mesmo tenho um vasto rol desse tipo de – como se chama no mundo dos adultos – frustração no currículo.
Uma das primeiras derrotas do meu pensamento mágico para a realidade aconteceu com o filme The Doors, em 1991. Assim que entrou em cartaz no cinema que hoje é uma igreja evangélica lá estava eu, ansioso por alimentar a fé no rock. Logo na abertura, os acordes iniciais de “Riders on the Storm” me levariam ao êxtase pelas duas horas seguintes. Tudo o que eu queria era viver à imagem e semelhança de Jim Morrison. Pouco antes de a sessão acabar, os fatos jogaram areia nos meus planos [alerta de spoiler]: o cara morre no final!
Sofri mais um golpe parecido em 1995, na festa de lançamento do disco de estreia do Planet Hemp. Recém-chegado a São Paulo, eu me surpreendia por figurar entre os convidados para a boca livre da gravadora, por esbarrar com alguma celebridade a cada passo no recinto, por Frejat ter falado comigo (“com licença”). Nada, porém, me chocou mais do que ver uma banda com o nome de Planeta Maconha, que defendia a erva em suas letras e batizou seu álbum de Usuário subir ao palco com um bong gigante.
Isso apenas no campo da música, porque se abrir o leque os casos de desengano são infinitos – como a vez em que sentei em uma churrascaria com desejo de sushi, lasanha e estrogonofe e o menu se limitava a espeto corrido. O único que não só confirmou como superou todas as expectativas é o presidente danação. Eleito com a promessa de ódio e destruição, jamais cogitou transformar em unificação um mo(vi)mento que nasceu para ser de segregação. Estamos sobrevivendo a isso e tem sido uó.
Apenas parem
Além de aquecer o setor de notas de repúdio, o espetáculo grotesco apresentado a dezenas de diplomatas e transmitido ontem pela TV estatal pode ser didático ao país. Uma lição já foi aprendida: os profissionais que trabalham na campanha pela reeleição desistiram de convencer o candidato a moderar o discurso.
A torcida agora é para que o departamento de eufemismos arrume outra ocupação que não seja ponderar o imponderável. Se a admissão pública de que isso aqui é uma republiqueta de quinta categoria servir para que expressões como “ministério técnico” e “ala militar” desapareçam, vai valer o dinheiro gasto na armação.
Passou da hora de parar de procurar algum resquício de normalidade e decência no que sempre foi anormal e indecente. Quem topou participar da farsa que se vire para convencer os outros de que é ingênuo ou burro, não cúmplice. Aposto que a maioria vai investir no esquecimento coletivo para tirar o seu da reta.
Acidentes planejados
Not made in China – Ricardo Giassetti estreia coluna mensal com a história fantástica do personagem Charlie Chan, o famoso detetive chinês criado em 1925 que nunca foi interpretado por um chinês de verdade – nem mesmo por um asiático.
Medo – Paloma Amado, filha de Jorge, chama o monstro de monstro e pergunta: “Nasci no exílio, minha morte terá o mesmo fim?”.
Os financiadores da boiada – Dossiê levantado pelo valente site De Olho nos Ruralistas mostra que empresas do agronegócio se encontraram pelo menos 278 vezes com integrantes do alto escalão do ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Em pauta, temas como a flexibilização de regras para agrotóxicos, a autorização de testes de novas substâncias químicas direto em campo (ao invés de laboratórios) e a autofiscalização sanitária. A campeã dessas visitas desinteressadas é a Syngenta, com 81 reuniões; seguida por JBS, com 75; Bayer, 60; Basf, 26; Nestlé, 23; e Cargill, 13. Baixe aqui e comprove como o agro é pop.
PLAYLIST | ser seco, reto, isento, amoral
Absurdo mesmo vai ser o festerê no dia que esse pesadelo acabar. Haja margarita!