A turma que manda e desmanda em Florianópolis tem uma ideia de desenvolvimento urbano muito peculiar. Nove em cada dez obras públicas priorizam o transporte individual. A outra ameaça alguma área verde. É o que está acontecendo na Ponta do Pitoco. Parte dela começou a ser cercada por tapumes para receber os ranchos dos pescadores desalojados pela construção da nova ponte da Lagoa da Conceição, ali perto. O espaço restante vai sofrer uma revitalização completa.
O contrato, assinado em julho, é de R$ 1,87 milhão, com prazo de 12 meses para conclusão. A empresa vencedora da licitação não tem site. De acordo com o endereço listado nos serviços de identificação de CNPJs, funciona em uma rua sem saída no bairro Forquilhas, em São José. Nos canais de transparência da prefeitura, não foi possível encontrar o edital na íntegra para mais detalhes. Talvez esteja escondido sob algum link, mas é para ir atrás disso que jornalistas ganham mal.
Até porque o ponto aqui não é investigar o processo, e sim lançar um olhar mais amplo para tentar entender o contexto. Há uma necessidade urgente: instalar os pescadores. E uma urgência desnecessária: mexer na Ponta do Pitoco. Erguer meia dúzia de barracos em uma extremidade para guardar canoas e redes não deve incomodar quase ninguém. O mesmo não dá para dizer de descaracterizar o lugar com intervenções que tecnocratas gostam de chamar de melhorias.
O projeto divulgado pela prefeitura prevê quadra de beach tennis, pet place e playground. O que a computação gráfica não mostra é que a Ponta do Pitoco tem o encanto que tem justamente por ser como é. Apenas uns 300 metros de gramado arborizado à beira da lagoa com uma rampa para jet ski e pequenas embarcações, onde crianças já brincam, jovens já se divertem, cachorros já correm e adultos já encontram variadas maneiras de passar o tempo, sobretudo sem raquetes.
O conselho de Desenvolvimento do Leste da Ilha (Codeli) aprovou tudo em assembleia geral no dia 4 de julho. Como a entidade em tese representa os interesses das comunidades envolvidas, qualquer reclamação posterior vira papo de haole que não conhece os anseios locais. Ainda assim, não deixa de ser triste ver que nenhum cantinho de Florianópolis está a salvo daqueles que, em nome de um progresso cada vez mais excludente, querem revitalizar o que já é cheio de vida.
Millôr, 100
Suas ações ou palavras abalam inteiramente minhas convicções mais arraigadas, provocando uma sensação profunda de desalento que afeta aspectos tanto racionais quanto psicológicos do que eu julgava ser parte indissociável da minha personalidade. (Expressões manezinhas prolixizadas: “Aí tu me arrombas todo”.)
Homenagem ao gênio Millôr Fernandes (1923-2012), que completaria 100 anos neste 16 de agosto. Meu primeiro contato com sua obra foi ainda criança, pela revista Veja, muitas vezes sem entender direito seus textos ou traços. Mais tarde, descobri que, além de escritor e desenhista, o autor daquelas duas páginas semanais era dramaturgo, roteirista, tradutor, artista plástico e – ele fazia questão de ressaltar – inventor do frescobol.
Tão talentoso em tantas áreas, era também um frasista inspirado, conforme demonstra o livro A Bíblia do Caos, que compila mais de 5 mil pensamentos dele sobre tudo quanto é assunto. Embora diversas máximas tenham caducado ou sejam simplesmente sem graça, é uma boa porta de entrada para o universo de Millôr. Poderia citar alguma, mas preferi parodiar uma das minhas seções prediletas, os provérbios prolixizados. Afinal, como diria o próprio:
Todo homem nasce original e morre plágio.
PLAYLIST | fã de livros de histórias de amor
Um candidato a artista popular que enfia Baudelaire (gravou com quem?), Machado de Assis (tocou onde?) e Geovani Martins (não é um que faz trap?) na letra de uma música destinada às Novas Gerações merece consideração.
Uma das minhas preferidas do Millôr é aquela da anatomia: "Anatomia é uma coisa que todo mundo tem, mas que nas mulheres fica muito melhor!"
Muito bom, Gasperino!