#8 | Música fácil para um mundo difícil
Quase não falo de música aqui, mas as leitoras exigem. Querem saber se o Silk Sonic, projeto de Bruno Mars e Anderson Paak, é mesmo tudo isso que andam lendo por aí. Como sou um cara mellow, respondo sem medo de ser cancelado: sim. E, parafraseando o mordaz H. L. Mencken, digo mais: para um mundo difícil, existe sempre uma música fácil, elegante e completamente certa no disco de estreia da dupla, lançado nessa sexta. Espero não ter decepcionado ninguém.
An Evening with Silk Sonic é o que acontece quando dois estetas confirmam a expectativa criada pela junção de seus talentos. Popstar, o havaiano Mars aliou o sucesso comercial que já tinha e o respeito artístico que perseguia graças ao hit “Uptown Funk”, em 2014, evocando a black music da década de 1970. Muitíssimo menos famoso do que o colega, o californiano Paak construiu uma carreira entre o rap e o R&B, tão elogiada pela crítica quanto desconhecida pelas massas.
A parceria nasceu em 2017, na perna europeia da turnê 24K Magic, de Mars, aberta por Paak. Entre um show e outro, eles se enfiavam no estúdio. A experiência deu liga e um disco colaborativo era questão de tempo. A oportunidade pintou no início de 2020 e começou a escalar o topo das paradas no último mês de março, com o single “Leave the Door Open” – uma simpatia retrô que cura a rabugice, afasta a ziquizira e traz o amor de volta em quatro minutos.
Logo na sequência veio outra joinha com a alma no passado, “Skate”, que só pelo verso “você cheira melhor do que um churrasco” já valeria a menção, não tivesse também um balanço fino que desliza pela cintura. E nada do disco. Ainda rolou a manhosa “Smokin Out the Window”, até finalmente o Silk Sonic entregar o que as preliminares prometiam: uma noite (expressa no título do álbum) curta (meia horinha de duração) e mágica (deixa com vontade de pedir mais).
Quebrada a resistência, Mars e Paak se dedicam à manutenção do clima. O baixo ventre continua mexendo forte com “Fly With Me”. Há as inevitáveis e necessárias baladas “Blast Off” e “Put on a Smile”. “After Last Night” estabiliza o ritmo, com o baixista Bootsy Collins (ex-Parliament/Funkadelic, outro ícone revisitado) e um nome da geração atual, Thundercat. A única faixa que destoa – embora segure a onda – é “777”, emoldurada pelas rimas da metade rapper sobre uma base racha-assoalho.
Mais do que qualquer música específica, fica evidente o capricho em cada detalhe de An Evening with Silk Sonic. Para ter certeza de que as percussões usadas iriam soar como pretendiam, a dupla pesquisou em antigas revistas de bateria. Parte do disco foi gravada no mesmo Royal Studios de Memphis onde Al Green eternizou LPs clássicos. Cordas foram conduzidas e arranjadas por Larry Gold, da banda MFSB, estrela da Philly Internacional, a gravadora que sofisticou o funk.
Em pleno Culto do Amador, uma era marcada pela valorização algorítmica e consumo frenético de tanta música mal feita, Mars e Paak pegam a contramão para transcender a nostalgia onipresente no disco. Apesar da estética setentista, o mundo que idealizam é atemporal, um não lugar em que problemas e problematizações se dissipam em alienação e escapismo. Seja bem-vinda a essa vibração, ainda que apenas por um breve momento.
Salvos pelo trocadilho
Deve ser frustrante para um artista gravar um disco com músicas inéditas e perceber que o público está interessado somente em seus velhos sucessos. O Abba não vai precisar lidar com essa situação constrangedora. O esfuziante quarteto sueco acaba de lançar Voyage, seu primeiro disco com material novo em 40 anos; portanto, desde que reinava nas pistas de dança com uma sonoridade avaliada como as propriedades nutricionais do ovo ou do café: ora é considerada sinônimo de brega, ora é o suprassumo do cool.
Quis o destino que em 2021 a balança pendesse para o lado favorável. Os mesmos argumentos que eram usados para ridicularizar a banda agora são brandidos para justificar sua volta. Reconhecer sua importância histórica não me impede de achar o álbum uma versão piorada da lesma lerda de sempre. Parece que Agnetha, Bjorn, Benny e Anni-Frid estão bem cientes disso também. Tanto que não vão nem se dignar a aparecer nos shows para ouvir o público pedindo “Dancing Queen”.
Em vez disso, serão representados por abbatars.
Woodstock fica logo ali
Já está disponível para fruição gratuita o documentário Tschumistock – A Casa do Rock n’ Roll e se você é catarinense, gosta de música feita (ou tocada) em Santa Catarina e/ou está nessa simplesmente pela zoeira tem a obrigação de assisti-lo. Conta a história do festival realizado de 1995 a 2008 no sítio da família Tschumi (daí o nome), entre as cidades de Rio do Sul e Lontras.
O filme foi parte do trabalho de conclusão do curso de jornalismo do colega Rafael Weiss em 2002. Não estranhe a qualidade das imagens: o único registro que sobrou estava em VHS, já que o original em DVCam foi roubado do carro do realizador. Eu fico imaginando a reação do ladrão ao ver as imagens e me consolo pela perda.
Ah, pois é
Gestor de festa – No país em que traficante se vicia, gigolô se apaixona, prostituta goza, pobre é de direita, liberal faz concurso público e comunista bate o tambor para Exu, mais uma criatura mitológica é detectada nesse perfil: o filho de bicheiro indignado com a corrupção.
10 motivos para você apoiar a reeleição do presidente Bolsonaro – Várias são as razões para querer ser governado por mais quatro anos pelo homem que passa madrugadas chorando no banheiro. Mas muito mais convincente é o aviso legal após a matéria: “Os textos aqui publicados não refletem a opinião do grupo” tal.
PLAYLIST | o que a gente leva dessa vida é a vida que a gente leva
Inspirado pela última temporada de Narcos, meti umas latinagens pa detonar tu cabezón. Aí me perdi – inclusive no horário. Mas, tecnicamente, até 23h59 é terça-feira, como bem sabem as colegas que já dependeram de mim para cumprir prazos.