A partir de hoje, estou apto a receber a terceira dose da vacina. O reforço coincidiria com a abertura lenta, gradual e segura adotada naturalmente à medida que foi aumentando o percentual da população imunizada. No verão da ômicron, será o contrário: o que era para ser um momento de júbilo & regozijo por representar mais um passo rumo à pretensa normalidade só me desperta ranço & preocupação. Vou tomá-la ciente de que máscara, álcool gel e isolamento ainda me acompanharão por muito tempo.
Depois da recente explosão no número de casos, conheço mais gente com covid do que com carteira assinada. Dessa vez, não são CPFs negacionistas que posso julgar sem nenhuma empatia. É gente esclarecida, que estava se cuidando, seguindo todas as recomendações para conciliar vida e sobrevivência – gente como eu, apenas com um teste de diferença. Quanto mais informação, menos certeza. A única garantia é que quem se vacina morre menos.
O bode é outro. Não quero falar da pandemia. Porque se falar da pandemia, falarei de política. E se falar de política, repetirei o óbvio. Não tem como debater, discutir é validar a estupidez. Eu estava tendo razoável sucesso nesse detox existencial até a nova variante disparar o gatilho. Um misto de revolta e desânimo, raiva disfarçada de impotência com sintomas de síndrome do impostor. É muita energia ruim contaminando a inspiração, isso não pode me fazer bem.
Pior me sentirei se mudar de assunto. Eu devia estar contando da minha última caminhada na praia sem máscara, do nhoque de mandioquinha delicioso que provei, de como era maravilhoso o Rio de Janeiro do primeiro capítulo da série sobre Nara Leão. Ou do frila de designer que desenrolei, do livro sob encomenda que começarei a escrever, dos meus avanços no xadrez online. Cá estou, porém, exercendo minha condição humana, demasiadamente humana. Qual seja, praguejando.
Tudo o que podia fazer de errado no ou contra o combate à pandemia, o PR [risos] fez com força – e vai continuar fazendo. Enquanto ele estiver por aí, o vírus também estará. Mais do que meus pequenos prazeres, eu devia estar contando como consegui mudar meu mindset e ver o copo meio cheio na política. Já torci por impeachment e prisão, hoje me agarro na esperança de este ser o último ano dessa aberração no poder. O que perdi jamais recuperarei, mas preciso voltar a sonhar.
Universo em desencanto
Resistir aos homens bestiais – Bela coluna do escritor Julián Fuks sobre a decisão de “vida ou morte, de trégua ou violência, de uma mínima tranquilidade ou o agravamento do caos” que nos aguarda neste ano. A parábola da vaca que aprendeu a se defender dos lobos (tirada do livro A Viagem do Elefante, de José Saramago) é uma porrada, a conexão que o autor faz dela com a nossa realidade dói mais.
Quem lê tanta notícia? – O jornalista Marco Antonio Barbosa (o Bart!) já tinha ido fundo quando se debruçou sobre a evolução do ranking das 500 músicas de todos os tempos da revista Rolling Stone. Agora, além de análise, faz uma autoanálise. Entre funis e influencers, a descoberta amarga, mas libertadora:
Só culpo a mim mesmo pelo fracasso. Vivi por muito tempo uma ilusão meio esquizofrênica; a crença de que minha carreira atual como conteudista corporativo era um mero desvio de percurso, e que minha real vocação — escrever sobre música, cinema, livros, comportamento etc. — um dia seria retomada. Por isso, insisti tanto tempo nessa vida de publicar coisas na internet. Vai que aparece uma oportunidade, alguém importante lê, vai que alguma coisa acontece? Nesse ínterim, envelheci, vi pessoas mais jovens ascendendo nos escalões das redações, ganhando prêmios, fazendo trabalhos bacanas, lançando livros e filmando documentários. Eu fiquei por aqui mesmo. Não é que eu tenha perdido o bonde da história; eu nem cheguei a pisar na rua onde o coletivo passava.
É duro admitir, mas as pessoas não têm interesse no que escrevo.
Cultura do fingimento – Deu no Fantástico, então todo mundo já conhece Elizabeth Holmes, a menina-prodígio do Vale do Silício que arrecadou milhões de dólares para a sua startup. A tecnologia da Theranus prometia detectar centenas de doenças com uma simples gota de sangue. Nunca funcionou direito e ainda prejudicou um monte de pacientes com diagnósticos errados. A ex-“futura Steve Jobs” foi condenada por fraude. Por acaso, no ano passado li Bad Blood: Fraude Milionária no Vale do Silício, livro sobre o caso. Chega a um ponto em que absolutamente todos os envolvidos sabem que tem engodo. Quem questiona, é demitido. Quem botou dinheiro, espera retorno. A empreendedora, cada vez mais paranoica e crente na própria mentira, sustenta a farsa até o fim. O artigo levanta a hipótese de ela ser regra, não exceção.
Cine sensitivo – Filme de 1973 imaginou o mundo em 2022 e acertou muito.
Aparelho | Imagina no ano que vem
Primeira edição do ano, ainda impregnada por desassossegos provocados por artistas que gostavam de destruir escolas em seus videoclipes. Lá pelas tantas, surge a pergunta incontornável: e se essa coisa horrorosa for reeleita? Um frêmito de choque e pavor percorre a espinha de cada aparelher com a possibilidade de mais quatro anos de pesadelo. É bom nem cogitar para não atrair. Ou mudar de assunto, como armar para cobrir a posse do nosso presidente em Brasília. O homem nem assumiu ainda e já está fazendo o povo ter planos novamente!
playlist | tanto querer, tanto sim
Sem deixar para depois.
Me identifiquei de inúmeras maneiras com esse texto. Mas apesar do coiso, amanhã há de ser outro dia. Eu acredito!